EMPREENDEDORISMO FEMININO
Transformando: do silêncio à força das marcas femininas trans
Mulheres trans contaram suas hitórias de superação através do empreendedorismo
Por Franciely Gomes

Resistência e desejo de mudar o mundo resumem a vida de mulheres trans que decidiram empreender na Bahia. Carregadas de uma vontade de ter seus direitos reconhecidos em todos os espaços, estas mulheres abriram seus próprios negócios e hoje ajudam outras colegas a terem o mesmo reconhecimento.
De acordo com uma pesquisa realizada pela empresa Nhaí, em 2023, cerca de 80% das pessoas trans já pensaram em se tornar empreendedoras ao longo da vida. A iniciativa vem carregada pela ausência desse grupo em empresas e pela dificuldade de inserção no mercado de trabalho.
Segundo dados divulgados por um estudo realizado pela GloboNews, a partir de um levantamento feito em quase 300 empresas do país, com 1,5 milhão de trabalhadores, apenas 0,38% dos funcionários são pessoas trans.
Diretora Geral da Feira Trans Mix, que ajuda mulheres trans a divulgarem seus negócios na Bahia, Brendie Hêth revelou que viu no empreendedorismo uma forma de criar um espaço seguro para si, fugindo das microviolências do dia a dia.
Empreender, para mim, nunca foi só sobre vender algo.

“Empreender, para mim, nunca foi só sobre vender algo. Foi sobre criar espaços seguros onde a minha existência e a de outras pessoas trans e racializadas pudessem ser valorizadas e respeitadas. A falta de oportunidades formais e a violência estrutural me empurraram, mas o desejo de impactar positivamente outras vidas me guiou”, disse ela ao portal A TARDE.
Preconceito
É importante ressaltar que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans. Segundo um levantamento feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), divulgado em janeiro deste ano, o país registrou cerca de 122 mortes em 2024.
Apesar de uma queda significativa de 16% em relação ao ano anterior, o Brasil segue em primeiro lugar no mundo pelo 16º ano consecutivo. Em sua maioria, as vítimas são mulheres jovens, pretas, pobres e nordestinas.
Essa onda de preconceito acaba influenciado diretamente na falta de contratação destas mulheres em empresas de grande porte. Muitos empresários optam por seguir com pessoas cis durante a seleção ou até mesmo se recusam a chamar as mulheres trans por seus nomes sociais, que são adotados logo depois da transição de gênero.
“No caminho, os desafios foram (e continuam sendo) muitos. Desde o o negado a linhas de crédito e programas de incentivo, até o preconceito enraizado em ambientes corporativos e instituições públicas. Além disso, lidar com a sobrecarga emocional e o capacitismo por ser uma pessoa neurodiversa tdah exigiu resiliência diária”, destacou Brendie Hêth.
Ressignificando
Apesar das dificuldades, o empreendedorismo tem ganhado força entre as mulheres trans baianas. De acordo com dados contidos no relatório técnico de Empreendedorismo Feminino, disponibilizado pelo Sebrae, os números são crescentes.
Dentre as Classificações Nacionais das Atividades Econômicas (CNAEs) que mais se repetem nos registros oficiais estão: Economia do Cuidado; Alimentação Fora do Lar; Beleza e Estética; Saúde e Bem-Estar; e Moda.
Ciente de que precisava se realocar no mercado de trabalho, a bai'oka Káaràbà Afẹ́ẹ́fẹ́ẹ́ abriu seu MEI durante a pandemia e transformou a falta de apoio em força de vontade para se estabelecer financeiramente e emocionalmente.
“Eu creio que decidi empreender quando percebi que eu teria que me moldar a um padrão binário (comportamental e semiótico), capacitista e neoescravagista. Devido à falta de políticas públicas que contemplem a diversidade que eu contemplo em meu ser, eu entendi que eu deveria tomar minhas rédeas”, disse ela, que atualmente trabalha como astróloga, DJ, cosmetóloga e maquiadora.
“Entendi que deveria focar em empreender só para não sofrer violência (microviolências ou até físicas) por parte de figuras contratantes (do setor público ou privado). [...] Hoje, melhor equilibrada e articulada social e politicamente, tenho conseguido construir oportunidades novas para fomentar a minha estabilidade financeira — a gloriosa prosperidade travesti”, completou.

Já a artista plástica Kin Bissentsn quis monetizar sua paixão pelo mundo artístico e criou o projeto itinerante Caixote Cultural quando ainda estudava na Universidade Federal da Bahia (UFBA), juntamente com um amigo, Gab Freitas.

O projeto fez tanto sucesso que já ou por diversas cidades e exposições do país, como Maceió e São Paulo. “Eu não queria trabalhar com algo que não fosse relacionado ao campo das artes. E aí que eu e o Gab, a gente pega um caixote de feira, ressignifica ele através das artes, e monta o Caixote Cultural. Eu tenho como área de pesquisa e trabalho artístico, que envolve a questão do fenótipo, ancestralidade e interseccionalidade”, contou.

“É com as artes que eu provoco comoção, porque de fato o meu objetivo como artista é provocar comoções em diversas esferas, seja ela individual, em grupo, comunidade, nação”, completou a artista, que recentemente exibiu suas obras na exposição ‘Entre coqueiros, cocos e cocada’, no Museu Digital Saberes e Fazeres, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
É um prazer para mim ter essas conexões e saber que a primeira arte de uma pessoa, às vezes, se torna minha.
Kin também reforçou que fica emocionada quando sente que pode tocar as pessoas com sua arte. “Eu vendo as minhas artes, minhas ilustrações e possibilito que as pessoas se conectem através delas. É um prazer para mim ter essas conexões esaber que a primeira arte de uma pessoa, às vezes, se torna minha, ou então que o presente para quem se ama foi algo que foi feito pelas minhas mãos. Isso é bem significativo para mim”, concluiu.
Feira Trans Mix
Uma alternativa criada para incentivar essas empresárias é a Feira Trans Mix, criada para empreendedoras trans, travesti e LGBTQIAPN+. Fundado em agosto de 2023, o projeto foi criado para enfrentar a falta de espaços inclusivos, íveis e seguros para pessoas trans empreendedoras que fomentam o empreendedorismo social, a economia criativa, popular e solidária na capital baiana.
Em conversa com reportagem do portal, a fundadora da feira, Brenda Souza, contou que o espaço foi criado para ser um local seguro para estas pessoas trans, que muitas vezes não podiam expor seus trabalhos em locais ocupados majoritariamente por pessoas cisgênero (que se idetificasm com o sexo biológico).

“Eu decidi fazer esse projeto da feira para que outras pessoas trans e travesti tivessem a mesma oportunidade de levar suas artes, seus artesanatos. A motivação veio desde o dia que eu e uma amiga tentamos participar de uma feira lá no Pelourinho, que era paga e estava cobrando 500 reais por um stand”, relembrou.
“E mesmo com o dinheiro para pagar e poder participar da feira, a pessoa disse não para a gente. A pessoa teve aquela transfobia nos nossos corpos por sermos pessoas trans e travestis, mas somos artistas, artesãs e empreendedoras. Aí foi quando surgiu na minha cabeça de montar o coletivo Trans Mix e dentro do coletivo montar a feira Trans Mix, que teve sua primeira edição em 2023, lá na Cruz Caída”, explicou.
“No decorrer desse tempo todo, a feira foi crescendo, aparecendo, e eu sempre fazendo com meu dinheiro. Tirando investimento do meu próprio bolso para fazer a feira em outros lugares e levar o empreendedorismo trans LGBT para outros lugares”, completou.

Brenda também reforçou a importância de mostrar para a sociedade que os corpos trans precisam ser respeitados em todos os espaços. “Porque a sociedade, na verdade, está acostumada com feiras de artesanto de pessoas cis, né? E nunca tinha tido uma feira LGBT trans, só com pessoas travestis, pretas, periféricas. Foi um impacto para a sociedade e hoje em dia estamos sendo aceitas, sendo vistas, tendo visibilidade. Como eu digo, eu espero crescer muito mais, muito mais mesmo”, concluiu.
Diretora de projeto da feira Trans Mix, Brendie Hêth também revelou que espera que o programa cresça e que cada dia mais outras mulheres trans possam receber a visibilidade que merecem.
A certeza de que é possível transformar o mundo — começando pela inclusão e ibilidade.
“Hoje, com uma trajetória reconhecida e projetos de referência, eu continuo empreendendo com um pé no futuro e outro nas raízes: valorizando minha ancestralidade, minha comunidade e a certeza de que é possível transformar o mundo — começando pela inclusão e ibilidade”, destacou.
Pós-graduanda em Educação Profissional e Tecnológica pelo IFBA, Brendie também atua em outros projetos que promovem a empregabilidade, o empreendedorismo social e a cultura LGBTRANS+ em Salvador. Além de trabalhar como consultora especializada em diversidade, inclusão e inovação, para empresas como Zé Delivery, Shopping da Bahia e o Aeroporto Internacional de Salvador.
Registro de empresa com nome social
Uma das conquistas mais recentes para a comunidade trans foi a autorização de cadastro do Microempreendedor Individual (MEI) com o registro do nome social, em razão do nome da empresa cadastrada na plataforma do Governo Federal.
A liberação consta no Decreto 8727/2016, que “dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis ou transexuais no âmbito da istração pública federal direta, autárquica e fundacional” para aqueles que solicitaram a atualização no Cadastro de Pessoa Física (F).
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