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Maldonado, o niilista

Confira a coluna de Armando Avena, que é escritor, jornalista e economista, membro da Academia de Letras da Bahia – ALB

Por Armando Avena*

30/05/2025 - 13:35 h
Armando Avena,economista e colunista de A TARDE
Armando Avena,economista e colunista de A TARDE -

O mundo anda tão absurdo que outro dia lembrei-me de um amigo guatemalteco que conheci, já faz muitos anos, na Cepal – Comissão Econômica para a América Latina, em Santiago do Chile. Seu nome era Maldonado, Carlos Engels Maldonado, como dizia impostando a voz. O Carlos e o Engels eram herança da grande iração que seu pai, comunista convicto, tinha pelo marxismo. Ele, no entanto, embora gostasse do nome, não acreditava em nada, era um cético empedernido.

Dizia-se um niilista e, com uma fluência impressionante, sempre aos borbotões, como se vomitasse as palavras, investia contra tudo e contra todos.

Detestava os “ismos”, quaisquer que fossem. Dizia, citando a piada polonesa, que o capitalismo era a exploração do homem pelo homem e o comunismo, o contrário. Quanto ao anarquismo, afirmava que os homens não são capazes de viver “sem deuses e sem senhores”. E lembrava que até Bakunin, no fim da vida, afirmou: “nada permanecerá a não ser a música de Beethoven”.

E, enquanto isso, praguejava contra o imperialismo americano e a violência ianque na América Central, e dizia que a Revolução Russa não foi feita para o povo, mas para as vanguardas. Reclamava ferozmente contra a Igreja Católica, que considerava a responsável histórica pelas injustiças sociais.

Dizia impropérios contra a riqueza e a pompa da antiga Roma, recordando a Inquisição e a venda de indulgências. E contra a Roma moderna, que se tornou progressista, mas não distribuiu a riqueza do Vaticano entre os pobres. Era contra tudo, até a Revolução sa, que definia com uma frase:

“Liberté, égalité, fraternité : les Français en calèche, et nous à pied.”

Penso que se Maldonado olhasse para o mundo de hoje, com um arremedo de Napoleão, sem cultura ou estratégia, governando a Rússia e invadindo a Ucrânia; um bastardo de Hitler matando crianças em Gaza; e um valentão, ignorante e boquirroto, governando a América, demonstraria seu pessimismo, dizendo mais uma vez: “Tengo la sensación de que el mundo se va a acabar breve!”. Para então voltar a praguejar contra russos, americanos, o Papa e tudo mais.

Lembro que certa vez ele presenciou uma acirrada discussão sobre esquerda e direita, fascistas e capitalistas, Marx e todo o arco ideológico. Manteve-se em silêncio o tempo todo, olhando para todos de modo circunspecto e misterioso, como se tivesse algo importante para dizer.

Quando a discussão ia descambar para as vias de fato, Maldonado pediu a palavra, e o silêncio foi absoluto, pois todos esperavam um comentário definitivo ou uma frase brilhante. Foi então que ele se levantou e disse pausadamente: “Marx ha muerto, Freud ha muerto, Nietzsche ha muerto y yo mismo no me siento nada bien.” A velha frase, repetida milhares de vezes nos pátios universitários, fez gargalhar a todos. E a discussão deu lugar à confraternização e ao riso.

*Armando Avena é escritor, jornalista e economista, membro da Academia de Letras da Bahia – ALB | [email protected]

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Tags:

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